Reestruturação Empresarial – Autofalência – Dissolução regular como instrumento de proteção aos sócios

A autofalência como medida de reestruturação empresarial somada com as alterações da Lei 14.112/20, que alterou a LRF, precisamente com o instituto fresh start, buscou na falência, positivar o fomento do empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.

Inicialmente, uma regra importante a destacar é a autonomia patrimonial das sociedades empresariais, pois é o seu patrimônio – e não os dos seus sócios – que respondem pelas suas obrigações. Muito embora pareça óbvio aludida lição, na prática, em processo de reestruturação empresarial – sim, a falência é uma forma de reestruturação empresarial, muitas vezes nos deparemos com entendimento diverso.


Inúmeras são as razões de uma sociedade empresária para, diante de um cenário econômico desfavorável, com fluxo de caixa insuficiente, cumprimento de suas obrigações a curto e médio prazo, tendo seus ativos alvo de constrições e expropriação de bens em razão de diversas execuções judiciais, dificuldade de captação de “dinheiro novo” no mercado para injetar na sociedade, requerer a sua autofalência, conforme disciplinado no artigo 105 da Lei 11.101/2005.


Um ilícito muito comum – e que poucos têm ciência da gravidade – é a dissolução irregular da sociedade, que consiste no encerramento das atividades sem a correta comunicação aos órgãos públicos. Uma vez constatado o fechamento da empresa sem a comunicação aos órgãos competentes (Receita Federal e Secretarias de Fazenda, por exemplo) os patrimônios dos sócios podem responder pelas obrigações da sociedade.


Dessa forma, a autofalência revela-se como ferramenta hábil para afastar a ilegalidade no enceramento da sociedade empresária. Comumente visualizamos sociedades empresárias que são praticamente “abandonadas” pelos seus sócios administradores, sem a regular liquidação da sociedade, com o pagamento do passivo e devida comunicação aos órgãos competentes do encerramento das suas atividades.


O substrato para inclusão dos sócios da sociedade empresária como responsáveis tributários, está ancorado no artigo 135 do Código Tributário Nacional – CTN. A teor do 135, III, do CTN, respondem, pessoalmente, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.


Assim, não havendo possibilidade para soerguimento do agente econômico para superar a crise econômica, com o adimplemento do passivo existente, a autofalência faz-se necessária para correta dissolução da sociedade empresária. A falência é instituto previsto legalmente, que consiste em uma faculdade estabelecida em favor do empresário impossibilitado de honrar com os compromissos assumidos. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só cabendo o redirecionamento da execução fiscal caso reste comprovada a prática, pelo sócio administrador, de atos com infração à lei, contrato social ou estatuto.


Ademais, com as recentes alterações da Lei 11.101/05, buscou acelerar o processo de falência, proporcionando uma possível e rápida retomada do empresário ao ambiente negocial, chamada de fresh start (novo recomeço). O modelo faz referência ao direito falimentar americano e tem como principal característica a diminuição do prazo para o término das obrigações do falido, passando de cinco (da sentença de encerramento da falência) para três anos de sua decretação.


Ainda, com a inovação trazida pela Lei 14.112/2021, o artigo 82-A da LFR e seu parágrafo único, estabeleceu que é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitadas, aos controladores e aos administradores da sociedade falida.
Sendo assim, é tranquilo o entendimento de que não é possível o redirecionamento da execução fiscal para os sócios, simplesmente, pela decretação de falência, pois esta configura forma regular de dissolução de sociedade.


Entende-se configurada a responsabilidade dos administradores (sócios ou não) da sociedade nas hipóteses em que esta é dissolvida de forma irregular. Este fato muitas vezes decorre da presunção estabelecida pelo verbete sumular do STJ nº 435.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando orientação segundo a qual a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado só ocorrerá quando a obrigação tributária for resultante de algum ato por eles praticado com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto ou, ainda, no caso de ter havido dissolução irregular da sociedade, o que já configura, por si só, uma infração a deveres legais.


Ademais, não é demais destacar a Súmula 430 do STJ que dispõe que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.


Repisa-se, o sócio, ao constituir a sociedade sob a forma limitada (artigos 1.052 e seguintes do Código Civil), baseados no direito societário, limitam sua responsabilidade aos aportes que realizam para a formação do capital social – objetivando restringir sua participação no pagamento dos débitos sociais, desde que não pratiquem atos com excesso de mandato, violação da lei ou do contrato social.


A determinação do sujeito passivo da obrigação tributária principal (pagamento) é determinada pelo artigo 121 do CTN. Entretanto, a responsabilidade do sócio, somente ocorrerá, quando demonstrados de forma inequívoca os elementos ligando tais pessoas aos fatos, ou seja, o fato de os sócios haverem agido com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.


Isto significa que, a unidade empresarial, utilizando da prerrogativa prevista em lei, com o pedido de autofalência, está agindo dentro da legalidade, circunstância esta que impossibilita o redirecionamento da execução aos sócios.


Sendo assim, a autofalência não configura modo irregular da dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste em uma faculdade estabelecida em favor do empresário impossibilitado de honrar os compromissos.


Com a modernização da nossa legislação falimentar, com o instituto do fresh start, inserido na LRF, buscou na falência, positivar o fomento do empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.


Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência. Assim, o instituto da autofalência da sociedade empresária, torna-se instrumento eficiente e seguro, como forma de dissolução regular da sociedade empresária, obstaculizando o redirecionamento das execuções fiscais e outros passivos, contra os sócios.

Da Responsabilidade dos Sócios de Responsabilidade Limitada ou administradores.


Nas sociedades cujos sócios respondem de maneira limitada pelas obrigações sociais, a decretação da falência da sociedade pelo inadimplemento de suas obrigações sociais não gera a extensão da falência aos seus integrantes. Assim, a impontualidade injustificada, execução frustrada, não implica a responsabilidade dos sócios ou administradores da sociedade de responsabilidade limitada.


Decretada a falência da sociedade, da mesma forma, ainda que os ativos não sejam suficientes para satisfação dos credores concursais, os sócios ou administradores não serão responsabilizados pelas obrigações da sociedade. Não possuem, portanto, a responsabilidade secundária pelo adimplemento dessas obrigações sociais, como ocorre com os sócios ilimitadamente responsáveis.


Diversamente da responsabilidade secundária, os sócios limitadamente responsáveis e os administradores da sociedade falida, responderão pelos prejuízos causados à sociedade quando agirem com culpa ou dolo ao exercerem suas funções ou responderão perante terceiros pelos danos gerados aos extrapolarem culposamente os poderes que lhes foram conferidos pelo contrato ou estatuto social.
Em face de danos causados a terceiros e não à sociedade, os sócios administradores responderão também, por culpa na realização dos atos. Perante terceiros, contudo, os sócios ou administradores serão diretamente responsáveis apenas se tiveram extrapolado suas funções de determinadas no contrato ou estatuto social ou se tiveram violado, disposição legal.

  • Da vedação a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, e aos administradores da sociedade falida. Admitida, a desconsideração da personalidade jurídica. Art. 82-A da Lei 11.101/05.

Prevê o artigo 82-A da referida Lei:


Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.

Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

A despeito dessa aplicação extremamente restrita, nas hipóteses de abuso de personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, nos termos do artigo 50 do código civil, poderá ser aplicado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.


Classificação de atos de falência.


Embora a aludida lei não traga, de forma objetiva, e textual, o que se caracterizaria atos de falência, de forma, não concentrada, o texto traz algumas definições esparsas, tais como:
Atos de falência, são aqueles que se destinam a desviar os bens do estabelecimento, por meio de liquidação precipitada, ou seja, alienação por preço vil e de forma acelerada, esvaziando a sociedade empresária.


Da mesma forma estará caracterizado o ato de falência, em caso de negócio simulado ou de alienação de parte ou totalidade do ativo, desde que comprovado o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores.

Dos crimes falimentares:


Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.


Sujeito ativo: sujeito ativo é o devedor ou quem o represente; portanto, cuida-se de crime próprio.
Sujeito passivo: o sujeito passivo imediato é a administração da Justiça, mediatamente são os credores, a quem o ato fraudulento possa causar prejuízo.
Tipo objetivo: a conduta típica consiste na realização de qualquer conduta fraudulenta, de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores; o núcleo do tipo é representado pelo verbo praticar; é, portanto, crime de forma livre, de modo que qualquer ato do agente, de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, amolda-se ao tipo em epígrafe.
Tipo subjetivo: é o dolo direto, além do elemento subjetivo especial do tipo, consistente no fim especial de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.
Consumação e tentativa: a consumação se dá com a prática do ato fraudulento; tratando-se de delito formal, não admite tentativa; quanto à obtenção da vantagem indevida para si ou para outrem, é mero exaurimento do delito.


Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
(…)
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
(…)
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

O Autor:

Gustavo Caetano Gomes é advogado, sócio do escritório Gustavo Caetano Gomes Advogados, Graduação em Direito pela Universidade Paulista 2004. MBA Direito Civil e Processo Civil FGV. Falência e Recuperação Judicial-FGV. Pós graduando em Direito Empresarial e Econômico pela ABDConst. Extensão em M&A- Fusões e Aquisições, Associado da TMA Brasil.